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Identidade paterna, um edital de chamada
Jones Figueirêdo Alves
1. Introdução. Em dia de hoje, consagrado aos pais, impõe-se, de logo, um edital de chamada de todos eles para que a identidade paterna consagre a relação parental com os filhos, todos dignos da afetividade necessária à melhor formação de suas vidas.
O dever ser ideal da paternidade é um tema profundo que toca ética, responsabilidade, afeto e presença. No contexto mais humano e essencial, a paternidade não é apenas biológica ou socioafetiva, é um compromisso contínuo de cuidado, orientação e apoio ao desenvolvimento integral dos filhos.
Ser pai vai muito além de prover. Envolve estar presente emocionalmente, participar da vida do filho, ouvir, brincar, acolher, e demonstrar amor, de forma constante e autêntica. "Amor não se delega. Presença não se terceiriza.".
Um pai deve ser exemplo de valores éticos, como respeito, empatia, honestidade e justiça. O modo como um pai age ensina mais do que palavras. Ou seja, ser pai é um processo. Não existe perfeição, mas existe o dever de aprender continuamente, reconhecer erros, e buscar ser melhor a cada dia - para os filhos e com eles.
O pai deve estar física e emocionalmente presente. Isso significa participar do cotidiano, dar atenção, escutar com empatia e estar disponível para momentos simples e significativos. “Não basta estar perto, é preciso estar junto”.
A paternidade é, essencialmente, afetiva. O carinho, o elogio e o apoio emocional constroem um vínculo seguro e saudável. “Demonstrar amor é ensinar amor”.
Para essa jornada de responsabilidade, eis o edital de chamada.
2. O Direito de ser pai. Diante dos deveres parentais, igualmente há um direito de ser pai e ele está vinculado a fundamentos legais, sociais, afetivos e humanos. Esse direito é reconhecido em diversos níveis: no direito civil, na Constituição, nos tratados de direitos humanos e nas dinâmicas sociais. No entanto, é um direito que vem acompanhado de deveres e responsabilidades, diante da autoridade parental que exige o pleno e eficaz exercício do poder familiar.
Esse direito de reconhecer e ser reconhecido como pai de seus filhos, seja em relações biológicas, socioafetivas ou por adoção, inclui o reconhecimento voluntário de paternidade; o direito à investigação de paternidade (caso negado ou omitido); e o direito de estabelecer vínculo legal com o filho.
No ponto, pontifica-se o direito à convivência, posto que o pai tem o direito de conviver com os filhos, mesmo em situações de separação ou dissolução de vínculo conjugal ou convivencial. A guarda pode ser compartilhada ou unilateral, mas o direito à presença na vida dos filhos deve ser garantido. Afinal, um direito-dever, que sempre é interpretado à luz do melhor interesse da criança, que é sujeito de direitos. Ser pai é um direito, mas também é uma exigência de presença.
Bem por isso, neste Dia dos Pais, o direito veste-se de festa para efetivar a garantia da convivência com os filhos.
De efeito, em ocorrendo a ocultação dos filhos pela mãe, com o objetivo de impedir a convivência paterna, sobretudo no dia de hoje, é uma violação grave dos direitos da criança e do pai. Esse comportamento configura alienação parental, além de gerar implicações legais tanto na esfera cível quanto criminal.
Ocultar o paradeiro da criança, dificultar visitas ou impedir o convívio sem justificativa legal induvidosamente são formas diretas de alienação. E as consequências possíveis para quem pratica são: (i) a advertência judicial; (ii) a ampliação do regime de convivência para o genitor prejudicado; (iii) a Inversão de guarda judicial; (iv) a multa ou finalmente (v) a perda da guarda em casos graves ou reincidentes.
A obstrução desse direito deve ser denunciada e resultar em medidas judiciais urgentes, como o mandado de busca e apreensão da criança (em casos extremos); o requerimento de fixação ou alteração do regime de convivência; e uma ação judicial por alienação parental.
Sublinha-se que impedir o contato com o pai (ou com a mãe) por mágoa, vingança ou manipulação prejudica o desenvolvimento emocional do filho e fere o princípio da parentalidade responsável.
O direito do pai à convivência familiar com seus filhos é amplamente respaldado pela legislação brasileira, com destaque para a Constituição Federal, o ECA, o Código Civil e a Lei da Guarda Compartilhada. Esse direito é visto como parte essencial do melhor interesse da criança, princípio norteador do ordenamento jurídico brasileiro no campo do direito de família.
Assim, a guarda unilateral não pode ser utilizada como mecanismo de afastamento do pai da vida dos filhos. Ainda que a mãe detenha a guarda, deve-se assegurar o direito de visita e convivência familiar ampla com o pai, salvo a excepcional comprovação de risco à criança.
O STJ tem reforçado que o direito à convivência familiar não pode ser tolhido por decisões unilaterais de um dos genitores, sendo dever do Judiciário promover meios para que esse vínculo se mantenha, a teor do artigo 1.634, inciso II, do Código Civil.
A seu turno, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completou 35 anos de vigência dia 13 de julho passado, em seu artigo 19, com a redação dada pela Lei n. 13.257/2016, dispõe como direito a criação no seio da família e a garantia de lhes ser assegurada a convivência familiar e comunitária, para o desenvolvimento integral da criança e do adolescente.
3. O Dever de ser pai. A perda do poder familiar (art. 1638, II, do CC-02) é apontada como punição possível de ser imposta aos pais que descuram do múnus a eles atribuído, de dirigirem a criação e educação de seus filhos (art. 1634, II, do CC-02).
Recente decisão da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), de 10.04.25, confirmou a adoção de uma menina de 11 anos pelo padrasto e destituiu o poder familiar do pai biológico. Para o relator, des. Eduardo Cambi, a adoção trará estabilidade emocional e jurídica para a criança, que não convivia com o pai biológico. “Não houve o exercício positivo e responsável da paternidade com a perda de vínculos familiares, que caracterizou abandono afetivo da criança, desde os primeiros anos de sua vida” - destacou. (Proc. n. 0015520-47.2022.8.16.0021). Acentuou que “no julgamento envolvendo direitos de crianças e adolescentes, deve prevalecer, como vetor hermenêutico da tutela jurisdicional, o princípio da superioridade e do melhor interesse infantojuvenil”.
A decisão se fundamentou nos artigos 227, caput, da Constituição Federal, 4º e 100, par. ún., inc. IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente, 3.1 da Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas, 2º da Declaração Universal dos Direitos das Crianças, 19 da Convenção Americana de Direitos Humanos e Observação Geral nº 14/2013 do Comitê dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU).
Eduardo Cambi concluiu que “nas hipóteses em que for constatada a violação da ética do cuidado e dos deveres jurídicos inerentes ao poder familiar, compete ao Estado-juiz adotar a(s) medida(s) mais adequada(s) para garantir a segurança e bem-estar dos filhos menores de dezoito anos, porque as violências, negligências e falta de afeto interferem na formação da personalidade e comprometem o desenvolvimento integral (físico, mental, moral, espiritual e social), livre e digno das crianças e adolescentes”.
Como assinala, com pertinência, Maria Berenice Dias, referida no acórdão, “o poder familiar é um dever dos pais a ser exercido no interesse do filho. O Estado moderno sente-se legitimado a entrar no recesso da família, a fim de defender os menores que aí vivem. Assim, reserva-se o direito de fiscalizar o adimplemento de tal encargo, podendo suspender e até excluir o poder familiar.”
O tema da parentalidade positiva ganha relevo e suscita amplo espectro de sua aplicação, quando recentes estatísticas apresentam a mãe-solo como preponderante na família brasileira.
Pesquisa inédita da Fundação Getúlio Vargas, efetivada pela pesquisadora Janaína Feijó e divulgada no último dia 03.08.25, baseada em dados do IBGE, revelou que mais de 4 milhões de domicílios tem mulheres como principais provedoras, quando 100 em cada um deles, 52 são chefiados por mulheres. (01).
O referido estudo será publicado no próximo dia 16, depois de atualizado com os microdados da reponderação da PNAD Contínua, cuja divulgação está prevista para o dia anterior. Essa revisão não deve alterar algumas tendências identificadas.
No ponto, sublinha-se “essencial desenvolver políticas públicas estratégicas e eficientes, adaptadas às particularidades de cada localidade do Brasil”, conforme revela a pesquisadora.
Esses indicadores sinalizam outro fenômeno de agudeza social quanto à deserção dos pais ao dever de paternidade, iniciado pela própria falta de reconhecimento civil da paternidade existente.
Significativo que em 2023, o país registrou o maior número de crianças sem o nome do pai em sete anos, totalizando 172 mil, segundo dados do Portal da Transparência do Registro Civil. Esses dados implicam grave violação aos direitos dos filhos de possuírem um pai, identificado para as suas responsabilidades parentais.
Segue-se oportuno o Projeto de Lei 3436/15, do Senado, em tramitação na Câmara Federal, aperfeiçoando a Lei n. 8560, de 29.12.1992, que trata da averiguação da paternidade. (02) Atualmente a lei não prevê prazo para o início do processo de identificação da paternidade de crianças e jovens sem o nome do pai na certidão de nascimento.
Além de definir o prazo de cinco dias, hoje inexistente, o projeto torna essencial, em vez de eventual, o dever de o juiz ouvir a mãe sobre a alegada paternidade da criança. O texto também torna obrigatório, em vez de facultativo, o segredo de Justiça do caso, e determina o Ministério Público a iniciar ação de investigação de paternidade, o que hoje não é obrigatório.
Aprovado o substitutivo do relator, deputado Filipe Martins, pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, e agora aguardando Parecer do Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), foi designado o deputado Cleber Verde, sexta feira última (08.08.25), como relator na referida comissão (03)
4. O Direito de ser pai socioafetivo. O reconhecimento da paternidade socioafetiva tornou-se um direito importante no campo do Direito de Família, para o pai socioafetivo e para o filho oriundo dessa relação de afetividade. O reflexo dos sentimentos tem repercutido no Direito, com suas consequências jurídicas, havendo o Superior Tribunal de Justiça defendido “a plena observância ao princípio da afetividade como uma espécie de princípio geral da dignidade humana” (STJ, AREsp. 929299-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva).
Pois bem. Pioneiramente, em 2013, o Provimento n. 09, de 02 de dezembro, da Corregedoria Geral de Justiça de Pernambuco, de nossa autoria, no exercício interinal do cargo, veio dispor sobre o reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva perante os Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado de Pernambuco (00).
A extrajudicialização do reconhecimento da paternidade socioafetiva, nesse Provimento paradigma, desde que inexistente a paternidade registral, tornou-se um marco no direito familista. Ali resultou expresso, em seus considerandos, que o instituto da paternidade socioafetiva, introduzido na doutrina brasileira pelo jurista Luiz Edson Fachin (1992), tem a sua existência ou coexistência reconhecidas no âmbito da realidade familiar e que as normas consubstanciadas nos Provimentos nº 12, 16, e 26 do Conselho Nacional de Justiça, as quais visam a facilitar o reconhecimento voluntário de paternidade biológica devem ser aplicáveis, no que forem compatíveis, ao reconhecimento voluntário da paternidade socioafetiva, tendo em vista a igualdade jurídica entre as espécies de filiação.
Quatro anos depois, o normativo pernambucano foi recepcionado pelo Conselho Nacional de Justiça, por meio de sua Corregedoria, através do Provimento n. 63, de 14.11.2017, entre os seus artigos 10 e 15, dispondo no mesmo sentido. Adianta-se que, presentemente, a matéria está tratada pelo Provimento n. 149, de 30.08.2023, do CNJ, em seus artigos 505 a 511. Bem de ver, porém, que a filiação socioafetiva pela via extrajudicial, somente foi destinada para os adolescentes (art. 2º, ECA) o que, convenhamos, dificulta a dinâmica do instituto, a saber que a socioafetividade paterna é desempenhada muito mais cedo, perante menores abaixo de doze anos.
No caso, a demonstração da socioafetividade por todos os meios admitidos, em apuração objetiva da verificação de elementos concretos, bem poderia ser feita perante o registrador, dotado de condição inconteste para apurar o vínculo socioafetivo.
Como a afetividade, princípio norteador das relações familiares, ganha status de valor jurídico, conforme reflete Conrado Paulino da Rosa, tudo recomenda seja ela protegida e dinamizada pelo direito e por diretivas administrativas.
Dentro dessa amplitude, a concretização da paternidade pelo desejo de ter um filho, através do denominado “Contrato de Coparentalidade” (05), apresenta uma nova relevância aos aspectos jurídicos da filiação, cumprindo-se na família coparental, o pacto do pai pelo direito de ser pai na efetivação do desejo de sê-lo. Esse vínculo exclusivo com a prole gerada, obriga corresponsabilidades, no exercício inevitável de uma guarda compartilhada hígida e permanente.
5. Conclusão. Instituído pela Lei nº 14.623/2023, de 17 de julho, o "Dia Nacional de Conscientização sobre a Paternidade Responsável", é comemorado, anualmente, em 14 de agosto.
Seja neste domingo do Dia dos Pais, seja na próxima quinta-feira (14) urge refletirmos o instituto jurídico da paternidade em seu amplo aspecto de deveres e obrigações, de ordem social, material, moral e afetiva, no sentido de fortalecer os vínculos familiares.
Efetivamente, o "bom pai" ou "o pai-responsável" são cláusulas de vida nas famílias constituídas.
Diante da importância existencial dos filhos, há um permanente chamado afetivo ao exercício da paternidade pelo que ela promana de consagração do amor paterno-filial como realização de vida. Um edital que convoca.
Referências:
- Web: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2025/08/03/maioria-dos-lares-brasileiros-e-chefiada-por-mulheres-revela-pesquisa.ghtml
- Web: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2025075
- Câmara Federal. Web: https://www.camara.leg.br/noticias/1153344-COMISSAO-APROVA-PRAZO-PARA-CARTORIOS-INFORMAREM-SOBRE-NASCIMENTOS-SEM-NOME-DO-PAI
- Corregedoria Geral da Justiça de Pernambuco – CGJ-PE. Web: https://portal.tjpe.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=e9aeecb4-beee-82df-e5be-b551f827d39b&groupId=29010
- GIROTTO, Guilherme Augusto. “O Contrato de Parentalidade”, Editora Foco, 2025.
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Jones Figueirêdo Alves é desembargador emérito do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito de Lisboa. Integra a Academia Brasileira de Direito Civil, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e membro fundador do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont). Advogado, Consultor e parecerista.
Fonte: Consultor Jurídico – Conjur, em 10.08.2025
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